1. A identidade civilizacional da Europa Ocidental
1.1. Poderes e crenças - multiplicidade e unidade
1.2. O quadro económico e demográfico - expansão e limites do crescimento
2. O espaço português - a consolidação de um reino cristão ibérico
3. Valores, vivências e quotidiano
- Reconhecer na sociedade europeia medieval factores de coesão que se sobrepuseram às diversidades político-regionais, distiguindo a importância da igreja nesse processo.
- Reconhecer, no surto demográfico do século XIII, na expansão demográfica que o acompanhou e no desenvolvimento urbano, o desencadear de mecanismos favorecedores de intercâmbios de ordem local, regional e civilizacional.
"Para aqueles que dizem: Como poderemos nós admitir a possibilidade da infecção, quando a lei religiosa a nega, replicamos que a existência do contágio é estabelecida pela experiência, a investigação, a evidência dos sentidos e os relatos dignos de fé. Estes factos constituem um argumento válido. O fenómeno do contágio torna-se claro para o investigador que verifica como aquele que entra em contacto com os enfermos apanha a doença, enquanto o que mão está em contacto permanece são, e como a transmissão se efectua através do vestuário, vasilhame e atavios."
Ibn Al-Khatib, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais
"(...) 46 – Se alguém fizer a outrem uma chaga na cabeça que apenas lhe rasgue a pele que os cabelos cobrem, dê-lhe de composição seis soldos (...);
47 – Se alguém chagar outrem na cabeça, de maneira que os ossos sejam quebrados, por um osso dê-lhe uma composição de doze soldos; (...) e isto de maneira que seja contado como um osso aquele que, lançado na rua, a doze pés [de distância] contra um escudo, possa fazer ruído; esta distância deve ser medida com um pé de homem médio e não com a mão.
50 – Sobre o lábio cortado – Se alguém cortar lábio a outrem, dê-lhe de composição dezasseis soldos, e se apareceram um, dois ou três dentes, dê-lhe de composição vinte soldos.
51 – Sobre os dentes dianteiros – Se alguém arrancar a outrem um dente que a apareça no riso, dê-lhe dezasseis soldos; se forem dois ou mais dentes, aparecendo no riso, façam por esse número uma composição e um preço.
62 – Sobre o corte de uma mão – Se alguém cortar uma mão a outrem, dê-lhe de composição metade do preço que teria sido avaliado se o matasse; e se a paralisar mas não a separar do corpo, dê-lhe de composição a quarta parte deste preço.
74 – Em todas estas chagas e feridas acima transcritas que podem acontecer entre homens livres, estabelecemos uma composição maior do que a dos nossos antepassados, para que a vingança que é inimizade seja relegada depois de aceite a citada composição e não seja esta mais exigida nem permaneça o desgosto, mas dê-se a causa por terminada e mantenha-se a amizade. (…)"
Monumenta Germaniae Histórica – Legum, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais
"A solícita preocupação de um príncipe está cumprida quando foram providenciados os benefícios para futura utilidade dos povos. Nem a ingénita liberdade [do príncipe] deve deixar de exultar quando, quebradas as forças sem razão o casamento de pessoas que são iguais por dignidade e linhagem. E por isto, removida a sentença da antiga lei […] sancionamos esta lei que há-de valer para sempre: que o Godo possa, se quiser, ter uma mulher romana e que a Goda possa casar com um romano […] e que o homem livre possa casar com qualquer mulher livre […] obtido o solene consenso dos parentes e a licença do conde."
Corpus Iuris Germanici Antiqui, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais
"Na era de 408 da Era Cristã, os Vândalos, os Alanos e os Suevos ocuparam a Hispânia, mataram e destruíram muitos nas suas sangrentas incursões, incendiaram cidades e saquearam as propriedades assaltadas, de forma que a carne humana era devorada pelo povo na violência da fome. As mães comiam os filhos; e também os animais, que se haviam acostumado aos cadáveres dos que morriam pela espada, de fome ou de peste, eram mesmo levados a destroçar os vivos; desta maneira quatro pragas dizimaram toda a Espanha, sendo cumprida a predição divina que há muito tinha sido escrita pelos profetas.
Na era de 411, depois da terrível devastação das pragas pela qual a Hispânia foi destruída, os Bárbaros, decididos finalmente pela graça de Deus a fazer a paz, sortearam as províncias para as ocupar. Os Vândalos e os Suevos ocuparam a Galécia; os Alanos, a província da Lusitânia e a Cartaginense; porém os Vândalos (…), abandonada a Galécia e depois de terem devastado as ilhas da província Tarraconense, voltando a trás tiraram à sorte a Bética. (…)"
Sancti Isidori, Hispalensis Episcopi, Historia de Regibus Gothorum, Wandalorum et Suevorum, in Fernanda Espinosa, Antologia de Textos Históricos Medievais
Aprendizagens e competências a desenvolver:
"O mundo inteiro parece estar em festa. Deixou já a sua armadura de ferro para se entregar com toda a liberdade à beleza e à alegria de viver. Todas as cidades renunciaram às antigas rivalidades; melhor dizendo, anima-as agora um mesmo espírito de emulação:tornar-se mais bela, a mais encantadora. Em todo o lado se podem ver ginásios, fontes, edifícios públicos, templos, oficinas e escolas."
Públio Élio Aristides, Elogio de Roma, 129-189 d. C.
“Mas o que melhor os conquistou [aos Lusitanos] foi o que fez em relação aos seus filhos. Porque, reunido em Osca, uma grande cidade, os jovens das melhores famílias de todos os povos submetidos, deu-lhes mestres de grego e de latim. Eram na realidade reféns; mas na aparência instruía-os a fim de os fazer participar, quando homens, na administração e governo do país, Os país tinham um prazer extraordinário em ver os seus filhos, vestidos com a toga, frequentar regularmente a escola.”
Plutarco, Vidas Paralelas
“A fim de que estes homens incultos, e por isso inclinados a guerrear, se acostumassem a uma vida agradável e pacífica (…), exortou-os (…) e ajudou-os a empreenderem a construção de templos, fóruns, habitações. Deste modo, uma rivalidade de prestígio substituía a violência.
Entretanto, iniciava os filhos dos notáveis no estudo das letras, (...) de tal maneira que os mais inclinados outrora a rejeitar a língua de Roma ardiam agora de zelo em falá-la com eloquência. Depois, mesmo os nossos trajos tinham honra em usar e a toga multiplicou-se; progressivamente, acabaram por apreciar até aos nossos vícios, as delícias dos banhos e o refinamento dos banquetes; e estes noviços levaram a sua inexperiência ao ponto de chamar civilização ao que não era mais do que um aspecto da sua rejeição.”
Tácito, Vida de Agrícola, séculos I-II d. C.
"A norte do Tejo estende-se a Lusitânia, habitada pela mais poderosa das nações ibéricas e que entre todas por mais tempo deteve as armas romanas. (...)
Os Lusitanos são excelentes para armar emboscadas e descobrir pistas, são ágeis e destros. O escudo de que se servem é pequeno, só com dois pés de diâmetro, a parte anterior é côncava (...). Armam-se com um punhal ou grande faca; a maioria tem couraças de linho. (...)
Os Lusitanos sacrificam frequentemente aos deuses, examinam as entranhas sem as arrancar do corpo das vítimas, observam também as veias do peito e tiram certas indicações do simples contacto. Consultam até em certos casos as entranhas humanas, servindo-se para isto dos prisioneiros de guerra, que revestem previamente duma veste para o sacrifício (...).
Todos estes montanheses são sóbrios, bebem geralmente só água, deitam-se no chão (...). Nas três quartas partes do ano, o único alimento na montanha são as glandes de carvalho, que, secas, quebradas e pisadas, servem para fazer pão, que pode guardar-se por muito tempo. (...)"
Estrabão, Geografia, 63 a. C. – 24 d. C.
"Se quis ir para Roma, não foi para obter maiores honorários ou maiores honras – promessas que me faziam os amigos que me incentivavam a partir – e, mesmo se tais considerações também influenciassem o meu espírito, a razão principal e por assim dizer única foi que, de acordo com as minhas informações, lá, os jovens estudavam muito mais calmamente e eram contidos por uma disciplina mais severa: ela impede-os de irromper, desordenada e descaradamente, na sala de aulas dos que não são seus professores, não sendo aí admitidos senão com autorização expressa do mestre.
Em Cartago, pelo contrário, o deixa andar dos estudantes é horrível e descontrolado: levantam-se de forma intempestiva e, quais dementes, poderia dizê-lo, perturbam a ordem que cada mestre estabeleceu no interesse dos seus alunos. (...) Pensam agir impunemente enquanto a cegueira do seu comportamento lhes acarreta um prejuízo incomparavelmente maior do que aquele que inflingem".
Santo Agostinho, Confissões, 398 d. C.
"Vivemos numa cidade suportada por frágeis vigotas. Porque é deste modo que o administrador repara a casa prestes a cair: tapa a fissura de uma velha fenda e diz-nos que durmamos tranquilos enquanto a catástrofe paira sobre a nossa cabeça! Não, não, tenho de viver onde não haja tantos fogos, tantos alarmes nocturnos. (...) O terceiro andar já está em chamas e tu ainda não deste por nada. Desde o rés-do-chão que todos estão em pânico mas o último a assar é o locatário das águas-furtadas que só tem a protegê-lo as telhas onde ternas pombas vêm pôr os ovos. (...)
Se te conseguires afastar dos jogos de circo, podes comprar uma excelente domus em Sora, pelo mesmo que pagas, num ano, por um túgurio em Roma. (...)
A maioria dos doentes, em Roma, morre de insónia (...), pois que sono é possível num apartamento? Quem, senão os ricos, consegue dormir em Roma?"
Juvenal, Sátiras, séculos I – II d. C.
"Imagina todas as espécies de vozes. (...) Enquanto os desportistas treinam e se exercitam nos halteres, (...) ouço gemidos; de cada vez que retomam o fôlego, segue-se um silvo e uma respiração aguda. Quando se trata de um preguiçoso ou de alguém que se contenta com uma fricção barata, ouço uma mão a bater nos ombros (...). Se, além disso, surgir um jogador que comece a contar as boladas, está tudo acabado! Acrescente-se ainda o quezilento, e o ladrão apanhado em flagrante, e o homem que se diverte a ouvir a sua própria voz enquanto toma banho. Juntem-se a tudo isto as pessoas que saltam para a piscina salpicando os outros de água. Mas todas estas pessoas têm, pelo menos, uma voz normal. Agora imagina a voz aguda e estridente dos depiladores (...) que de repente dão gritos, sem nunca se calarem, a não ser quando depilam as axilas aos outros, obrigando-os, então, a gritar por sua vez. Há ainda os gritos variados dos pasteleiros, vendedores de salsichas e de patés e de todos os moços de taberna que anunciam as suas mercadorias numa melopeia característica."
Séneca, Cartas a Lucílio, 4 a. C. – 65 d. C.
"De todas os cantos da terra e dos mares afluem a Roma os produtos de todas as nações, os dos rios e dos lagos, e tudo o que pode produzir a indústria dos Gregos e dos Bárbaros (...).
Tantos navios de transporte vêm abordar ao cais do Tibre, que Roma é, de alguma maneira, como que o mercado universal do mundo. Os frutos da Índia e da Arábia (...), os tecidos da Babilónia, as jóias da Barbaria mais longínqua chegam a Roma em grande quantidade e com muita facilidade."
Públio Élio Aristides, Elogio de Roma, século II d. C.