“Próximo da felicidade teólogos está a daqueles a que o vulgo chama religiosos e monges (…). Atribuem tanta importância às suas particulares cerimónias e às suas tradições humanas que lhes parece que o céu não é bastante prémio para tantos méritos. Esquecem todos que Cristo lhes perguntará somente se obedeceram à sua lei, a lei da caridade. (…)
Já há algum tempo que desejava falar-vos dos reis e dos príncipes (…). Eles entregam aos deuses todos os negócios, levam uma vida de moleza e não querem ouvir senão os que lhes dizem coisas jucundas ou lhes afastam os cuidados. Julgam executar inteiramente as funções régias se vão assiduamente à caça, se tratam dos cavalos, se vendem comodamente prefeituras, se diariamente inventam novas maneiras de diminuir a riqueza dos cidadãos e de aumentar a da coroa com o fisco. (…)
Que direi dos cortesãos? Nada há mais rasteiro, mais servil, do que esses homens que se querem considerar os primeiros entre todos. (…)
Rivais dos príncipes, os sumos pontífices, os cardeais e os bispos quase os superam. (…) Os nossos pastores não fazem mais do que buscar pasto. (…)
Se julgares o meu discurso demasiado petulante, pensai que falei em nome da loucura.”
Erasmo de Roterdão, Elogio da Loucura, Lisboa, Cosmos Clássicos
"Enviaste-me, há alguma tempo, as deliciosas epístolas de Gasparino de Bérgamo, que não somente corregistes com cuidado, mas que haveis feito reproduzir com notável perfeição pelos vossos impressores alemães (...). As letras têm sido feridas (...) pelas incorrecções cometidas pelos copistas. Assim, é com a maior satisfação que deve ver-se afastar esse flagelo da cidade parisiense graças aos impressores que fizestes vir da Alemanha para esta cidade e que reproduzem correctamente, dos manuscritos os livros (...)."
Jules Philippe, Origens da Imprensa em Paris
"Os mestres estão empoleirados na sua cátedra como galinhas e, com um notável ar de desprezo, dão informações sobre as coisas que jamais tocaram com as suas próprias mãos, mas que se lembram de ter lido nos livros dos outros (...). Por consequência, todo o ensino é falso: perde-se o tempo com questões absurdas e é tudo tão confuso que o aluno aprende ali menos do que se seguisse o curso de carniceiro (...)."
André Vesálio, Acerca da estrutura do corpo humano, 1543
"Aconselho-te, meu filho, a que aproveites a juventude para estudares e te tornares virtuoso. Estás em Paris, tens o teu preceptor (…) que por ensinamentos vivos e louváveis exemplos te pode educar. Quero que aprendas perfeitamente línguas (…).
Quero que não haja história que não tenhas presente na memória para o conhecimento universal dos que a escreveram. Quando eras pequeno, tinhas cinco ou seis anos, fiz-te apreciar as artes liberais: a geometria e a música. Deves prosseguir. Deves aprender todos cânones da astronomia. Quero que saibas de cor todos os belos textos de direito civil e que os confiras com os de filosofia.
Depois, cuidadosamente, volta a estudar os livros dos médicos gregos, árabes e latinos e, por frequentes operações de anatomia, quero que adquiras o perfeito conhecimento do outro mundo que é o Homem. Durante algumas horas do dia começa a trabalhar sobre as Sagradas Escrituras, primeiro em grego o Novo Testamento e a Cartas dos Apóstolos, depois em hebreu o Antigo Testamento.”
Rabelais, Carta de Gargântua a seu filho Pantagruel
“Vitorino, originário de Feltre, na Lombardia, era um homem de categoria, e de vida sóbria, instruído no grego, no latim e nas sete artes liberais. (…) Era reputado em toda a Itália pelas suas virtudes e os seus conhecimentos e por isso numerosos aristocratas venezianos lhe enviaram os filhos para que os educasse e lhes ensinasse as belas letras (…). Ele permitia-lhes praticar exercícios físicos, e os filhos dos nobres eram encorajados a (…) fazer todos os exercícios bons para o desenvolvimento do corpo, dando-lhes estes recreios depois de terem aprendido e recitado as suas lições. Fazia leituras nas disciplinas apropriadas a cada classe e ensinava as artes liberais e o grego (…). Estabelecia um horário apertado, e não consentia que nenhuma hora fosse perdida. Raros eram os alunos que abandonavam a casa, e regressavam sempre à hora marcada; à noite todos eram obrigados a recolher cedo. Assim os criava nos hábitos de ordem e de aplicação (…)."
Vespasiano da Bistici, “Vida dos homens ilustres”, in Gustavo de Freitas, 900 Textos e Documentos de História, vol. II, Lisboa, Plátano Editora
“Ao nobre parece não existir nobreza semelhante à sua, pelo que julga que todos os outros lhe ficam muito atrás. Procura, em todas as coisas, fazer como fazem os reis e os príncipes e ordena que o sirvam de joelhos (…).
Não sabe ler nem escrever e se soubesse não quereria saber, porque é tido por mais nobre aquele que menos sabe. Só estuda questões de gravidade e como deve fazer para se mostrar grande e abaixar os demais, porque [para ele] é em coisas como estas e não na virtude que consiste a nobreza.”
Anónimo italiano do século XVI, “Verso e Anverso do Reyno de Portugal”, tradução de A. H. de Oliveira Marques, in Revista Nova História, Século XVI, n.º 1
"Que o cortesão ideal seja, além de nobre, homem de bem, isto é, prudente, bom, corajoso, confiante; belo e elegante. Que a sua principal e autêntica profissão seja a das armas, que saiba todos os exercícios que convêm a um militar. Que o perfeito homem de corte seja alegre, saiba jogar e dançar, que se mostre homem de espírito e seja discreto.
As letras de Deus revelou aos homens são úteis e necessárias à vida e à dignidade do Homem. Que o cortesão conheça não só o latim, mas também o grego. (…) Que ele saiba escrever em prosa, particularmente a nossa língua. Louvá-lo-ei também por saber várias línguas estrangeiras, principalmente o espanhol e francês (…). A sua cultura parecer-me-á insuficiente se não tiver conhecimentos de música (…). Há ainda um aspecto que julgo de grande importância; trata-se da arte do desenho e da pintura. (…) Que o nosso homem de corte seja um perfeito cavaleiro de toda a sela: nos torneios, nos duelos, nas corridas, no lançamento do dardo e da lança. (…) Convém também que saiba saltar e correr."
B. Castiglione, O Cortesão
"Verdadeiramente admirável e celeste foi Leonardo da Vinci (...). Assim dedicou-se alguns meses à aritmética (...) cultivou um pouco a música (...) cantava divinamente (...) apesar de tantas curiosidades variadas não deixou de desenhar e esculpir, porque era o que melhor convinha à sua imaginação (...). Inventava, sem cessar, projectos e modelos (...) o seu cérebro nunca parava de destilar invenções (...) a sua conversa era tão agradável que atraia a simpatia. Conta-se que, passando no mercado de pássaros, libertava-os da gaiola, pagava o preço pedido e deixava-os voar para lhes restituir a liberdade perdida."
Giorgio Vasari, Vidas in Mémoire de l'Europe
"Disse Deus ao Homem: coloquei-te no centro do mundo, para que possas olhar à tua volta, e ver o que o mundo contém.
Não te fiz celestial nem terreno, mortal nem imortal, poderás tu próprio escolher o teu caminho. Pela tua vontade poderás tornar-te um bruto irracional ou podes alcançar uma elevada perfeição, quase divina."
Picco della Mirandola, A Dignidade do Homem, 1486
Divina Proporção. As Proporções da Figura Humana, de Leonardo da Vinci (1490)
Criação de Adão, pormenor da pintura da abóbada da Capela Sistina no Vaticano, de Miguel Ângelo (Roma, 1508-1512)
Nos séculos XV e XVI, vive-se um dinamismo civilizacional notável numa Europa que se abre ao Mundo e ultrapassa as crises dos finais da Idade Média.
É o tempo do Renascimento, movimento cultural iniciado em Itália. baseado na Antiguidade Clássica, faz do Homem o centro do conhecimento, da cultura e da beleza artística.
Embora a Itália, pela sua herança e contactos, sirva de matriz inspiradora ao ressurgimento greco-latino, toda a Europa participa de renovação cultural: da Península Ibérica à Polónia, da Inglaterra à Alemanha. Por toda a parte se fundem as novidades italianas com as descobertas e tradições locais.
No Ocidente da Europa, Lisboa e Sevilha são portas abertas para o Mundo, como ponto de partida e chegada das rotas transoceânicas que interligam para sempre a Europa, a África, a América e a Ásia.
Pelo conhecimento de novas terras, novos mares, novos povos, os países ibéricos contribuem para a vivência universalista da cultura do Renascimento.
Desvendam novas terras, novos mares, novas gentes, novos astros; revelam floras e faunas desconhecidas; conduzem ao aperfeiçoamento das técnicas naúticas; repercutem-se numa nova representação cartográfica da terra.
Fundados na observação e no contacto directo com as realidades, que descrevem rigorosa e pormenorizadamente, os novos conhecimentos da Natureza e do Mundo desacreditam as opiniões dos Antigos. A experiência eleva-se a autoridade e fonte de saber, conduzindo à revolução das concepções cosmológicas.
O Renascimento conheceu a promoção do individualismo. Os humanistas, apaixonados pelos textos gregos e latinos, absorveram os seus valores antropocêntricos, fazendo da cultura antiga um instrumento formativo da personalidade humana. Preocupados com a construção de um mundo melhor, não deixaram de criticar as vilanias do presente, às quais contrapuseram as utopias. A paixão pelos clássicos perseguiu também os artistas, apostados na exaltação da figura humana, no equilíbrio das linhas arquitectónicas, na perfeição e na racionalidade das composições. Não se limitando aos Antigos, foram, todavia, capazes de os ultrapassar. Provam-no a técnica da pintura a óleo, a perspectiva e o naturalismo.
1. O Renascimento
2. O alargamento do conhecimento do mundo
3. A produção cultural
4. A renovação da espiritualidade e da religiosidade